quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A internacionalização do sector financeiro Cabo-verdiano

A confiança e credibilidade no sector financeiro ficaram profundamente abaladas com a actual crise mundial. Segundo vários economistas, a crise teve a sua origem no sector financeiro/imobiliário e foi causada, por um lado, pela excessiva confiança e défice de legislação neste sector e, por outro lado, pela incapacidade técnica das autoridades de acompanhar as inovações financeiras e avaliar correctamente o risco de certos activos.

Porém, apesar da crise actual, não devemos ignorar ou subvalorizar a importância do sector financeiro no crescimento económico de qualquer país. Os serviços financeiros são consumidos pela quase totalidade dos indivíduos e organizações.


Um sistema financeiro moderno, sólido, dinâmico e eficaz é fundamental para assegurar satisfatoriamente o crescimento e o desenvolvimento de um país, visto que: (i) é importante para a estabilidade económica que, por sua vez, permite o crescimento consistente do produto, e viabiliza a acumulação de saldos positivos da balança de pagamentos, formando assim reservas internacionais; (ii) é relevante na formação de poupança e acumulação de capitais, provendo assim recursos destinados ao investimento.

Em Cabo Verde, o sector dos serviços representa cerca de 70% do PIB. Isto explica perfeitamente o facto de as políticas económicas visarem transformar Cabo Verde num centro internacional de serviços centrado nas áreas de telecomunicações, transportes, turismos e serviços financeiros. 

Tendo o nosso estudo centrado no sector financeiro, procuramos analisar se as políticas financeiras e a situação sócio/económica em Cabo Verde são as adequadas a uma pequena economia que ambiciona transformar-se num Centro Financeiro Internacional -CFI, e também verificar se existe uma relação positiva entre as variáveis financeiras e o investimento, uma vez que o investimento tem influências positivas no crescimento da economia. Quer dizer, está em causa saber se se justifica a aposta no sector financeiro.

Comparando a situação actual existente no nosso país com os vários estudos sobre o desenvolvimento do sector financeiro em pequenas economias, apuramos que Cabo Verde apresenta alguns requisitos exigidos aos CFI’s, como: (i) estabilidade política e social; (ii) leis no sector financeiro baseadas no Acordo de Basileia de 1988 e nas 40 recomendações e propostas da Financial Action Task Force on Money Laundering; (iii) estabilidade e credibilidade da moeda; (iv) integração regional; (v) boa governação.

Encontramos no documento Poverty Reduction and Growth Strategy Paper – II (2008-2011) e no Programa do Governo para a VII Legislatura (2006-2011) algumas opções de desenvolvimento e políticas económicas/financeiras, exigidas aos CFI, tais como: (i) construção de infra-estruturas básicas; (ii) uso de novas tecnologias na gestão pública e privada; (iii) desenvolvimento do mercado de capitais; (iv) melhoria do acesso das MPME´s (Micro, Pequenas e Médias Empresas) ao financiamento; (v) dinamização e aperfeiçoamento da Bolsa de Valores de Cabo Verde.

Porém, apesar dos passos dados, Cabo Verde tem pela frente algumas barreiras a ultrapassar para atingir o patamar de um CFI competitivo, e fazer dos serviços financeiros um dos grandes impulsionadores do desenvolvimento socioeconómico. Destacamos as seguintes dificuldades: (i) fraca promoção do sector dos seguros e pensões; (ii) pequena dimensão da economia, o que dificulta o desenvolvimento de concorrência; (iii) sistema financeiro caracterizado por alto peso e limitada competição do sector bancário; (iv) fraca diversificação das actividades e instrumentos financeiros; (v) pouco interesse da população em diversificar os investimentos.

Realizámos um estudo econométrico dos determinantes financeiros do investimento, suportado por uma base de dados de 1982 a 2004. Esta base de dados foi reduzida para tirar conclusões robustas. No entanto, permitiu formar uma ideia clara do impulso do sector financeiro no investimento em Cabo Verde.

Foram considerados os indicadores financeiros crédito privado, crédito bancário e passivo líquido. Fazendo uso do modelo designado Vector Error Correction Model (VECM), concluímos que existe uma relação positiva entre os indicadores financeiros e o investimento, com o passivo líquido como o principal indicador na explicação do investimento. Este resultado pode estar relacionado com o facto de em Cabo Verde a maioria dos investimentos ser de origem pública e com financiamento externo, levando a que o impacto do passivo líquido no investimento seja superior aos créditos concedidos pelas instituições financeiras nacionais.

Paralelamente, também, constatámos: (i) uma relação positiva entre o consumo do governo e o investimento, o que pode estar associado ao facto de que em Cabo Verde a maioria dos investimentos serem do domínio público e, por outro lado, o consumo público ter vindo a ser em áreas impulsionadoras do investimento; (ii) apesar da relação negativa entre o investimento e a importação, num primeiro momento o aumento da importação tem influência positiva no investimento. 

Em suma, estes resultados evidenciam que Cabo Verde pode impulsionar o crescimento económico através do desenvolvimento do sistema financeiro, apesar de haver ainda um fraco peso do crédito privado e crédito bancário no investimento. Assim, a abertura do sistema financeiro a outros operadores, o aperfeiçoamento das condições de acesso dos investidores e a introdução de outros instrumentos financeiros, conduzem ao aumento da liquidez no mercado interno e da participação na actividade financeira. Por conseguinte, fomentam o crescimento do investimento. 

Por outro lado, deve haver também aumento da transparência no sector, reforço da regulamentação e da capacitação das autoridades financeiras, de forma a exercerem com eficiência e eficácia as suas funções de controlo e supervisão, e assim levar à recuperação da confiança e induzir maior dinamismo no sector.


Coimbra, 04 de Janeiro de 2010.
João António F. Brito – Mestre em Economia.


Publicado no Jornal ASEMANA, nº 915, de 08, de Janeiro de 2010.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Consequências da dívida externa Cabo-verdiana

Nos últimos 5 anos (2004-2008) a taxa média do crescimento do PIB de Cabo Verde foi de 6,44%, valor superior a média dos países da África Subsariana de rendimento médio, que foi de 4,66%. Contudo, sabemos que o nosso país apresenta escassos recursos naturais e nível de poupança interna muito baixa (média de 5% do PIB), pelo que, para sustentar parte deste crescimento, Cabo Verde teve que enveredar pelo caminho do crédito externo.

De forma a apreciar a delicadeza da situação, para avaliar o endividamento externo da economia Cabo-verdiana usámos a Posição de Investimento Internacional (PII), indicador que ocupa uma importância relevante nas tomadas de decisões económicas de qualquer país. A PII é uma medida estatística que apresenta o valor das disponibilidades (activos) e responsabilidades (passivos) financeiras externas de uma economia no final de um determinado período de tempo. A PII líquida representa a diferença entre o que uma economia possui e o que deve.

No nosso período em análise (2004-2008), a média da PII, negativa, em Cabo Verde, foi de 68,56% do PIB [correspondendo a uma média 72.383 milhões de Escudos de Cabo Verde (ECV)], tendo atingido 76,35% do PIB (equivalente a 99.522,8 milhões de ECV), em 2008. Este valor equivale a uma dívida de 200.000$00 (ECV) por cada cidadão. Porém, o recurso ao endividamento externo é perfeitamente explicado no caso de uma economia como a nossa, que apresenta parcos recursos naturais e financeiros, precisando, assim, de recorrer ao capital externo para financiar o investimento interno.

A média do saldo devedor do PII, durante o período em análise é explicada em grande parte pelo sector das sociedades não bancárias e particulares (onde adquire particular relevância o Investimento Directo Estrangeiro) e pelo sector público.

O Investimento Directo Estrangeiro, além de ter facultado avanços consideráveis a nível microeconómico, em sectores chaves, como tecnologia e capacidade produtiva, tem sido direccionado, em grande parte, para o sector imobiliário turístico, impulsionando assim o crescimento económico de Cabo Verde. As receitas do turismo apresentaram no período em análise uma taxa média de crescimento de 27 %, correspondendo a um peso médio no PIB de 17%.

O sector público, por sua vez, considerando o período 2004-2008, representou aproximadamente, em média, 73% da dívida acumulada, expressa em termos de percentagem do PIB. Esta dívida tem tido uma evolução decrescente, situando-se em 2008 em cerca de 60% do PIB. Sendo, a dívida pública interna, excluindo Títulos Consolidados de Mobilização Financeira, correspondeu, uma média de 26,6% do PIB, numa tendência decrescente, atingindo 19,3% do PIB, em 2008. E a dívida externa acumulada foi de aproximadamente 47% do PIB.

Os recursos externos têm financiado cerca de 90 % do investimento público, contribuindo assim para que este crescesse a uma média anual de 17%. Este investimento tem sido direccionado em grande parte para as funções económicas e sociais, como projectos de infra-estruturação no domínio dos transportes, modernização do sistema educativo, boa governação/reforma do Estado, saúde, redução da pobreza e conservação do ambiente.

Estes valores, apesar de aparentarem ser elevados, estão conformes com o acordo assinado com o FMI, no âmbito dos objectivos do Policy Support Instruments – PSI, que estabelecia como o limites de dívida pública externa a observar em Junho do 2009 cerca de 70% do PIB e da dívida pública interna valores próximos de 20% do PIB.

A dívida externa tem sido contratada, na sua maioria, por credores multilaterais, em condições muito vantajosas (taxas de juros médias de 1%, com períodos de carência entre 5 a 10 anos e prazo de maturidade de 20 anos).

Numa perspectiva económica, o Estado pode recorrer ao endividamento aumentado o consumo presente por contrapartida da redução do consumo futuro. E, se esperar um aumento considerável do rendimento futuro, a opção pelo endividamento é boa, uma vez que esses rendimentos gerados vão permitir fazer face aos encargos com as dívidas assumidas. Porém, o Estado deve aplicar estes recursos em projectos que permitam assegurar o seu reembolso, como, por exemplo, no aumento da capacidade produtiva, ou seja, em investimentos produtivos com taxas de rendibilidade superiores às exigidas pelos credores externos.

Em suma, e atendendo aos últimos relatórios do FMI produzidos no âmbito do PSI, datados de Junho e de Outubro de 2009, constatamos o seguinte: (i) o montante da dívida cabo-verdiana está dentro dos limites estabelecido pelo FMI, e apresenta uma tendência decrescente; (ii) o programa de investimento público do Governo foi avaliado como apropriado para eliminar os constrangimentos da infra-estruturação e assim aumentar o potencial de crescimento económico de longo prazo; (iii) apesar do decréscimo na taxa de crescimento do PIB devido à evolução negativa daqueles que têm sido os principais fundamentos do crescimento económico de Cabo Verde (Investimento Directo Estrangeiro; Turismo; e Remessas), motivada pela crise internacional, as autoridades nacionais continuam a demonstrar compromisso firme em matéria de adopção de políticas prudentes, o que se vem traduzindo na redução da dívida pública interna, na acumulação de reservas externas (4 meses de importação) e estabilização da dívida externa; (iv) Cabo Verde cumpriu os principais objectivos estabelecidos no âmbito do PSI, assinado em 2006.

Coimbra, 01 de Dezembro de 2009.

João António F. Brito – Mestre em Economia.

Publicado no Jornal ASEMANA, nº 910, de 04, de Dezembro de 2009.

Fontes dos dados: Relatórios anuais do Banco de Cabo Verde; FMI - Sexta revisão dos termos do PSI; e Regional Economic Outlook – Sub-Saharan África, Abril de 2008.