terça-feira, 6 de setembro de 2011

Explicar a situação económica cabo-verdiana

Os países emergentes estão a ganhar cada vez mais espaço no mercado global, especialmente nos últimos anos. A liberalização do mercado internacional permitiu uma maior afectação dos capitais aos países emergentes e ao mesmo tempo verifica-se uma maior participação no comércio externo por parte destes. Embora essas tendências têm sido uma realidade, estes países são muito vulneráveis às condições macroeconómicas internacionais e ainda apresentam algumas restrições e dificuldades na obtenção de capitais externos.


Sendo esses países, na maioria dos casos, dependentes de capitais externos são confrontados com algumas dificuldades na condução das políticas económicas devido às volatilidades que apresentam, causando assim problemas tanto na balança de pagamento (dificultando a política monetária), como nas finanças públicas (dificultando a política orçamental). Deste modo, esses países embora possam ser beneficiados com avultadas entradas de capitais externos, sobretudo no crescimento económico através do aumento dos investimentos, também são sujeitos a enfrentar uma forte influência na apreciação da taxa de câmbio, que acaba por limitar as exportações e, de certa forma, causar recessão económica, aumento da procura da moeda bem como o défice da conta corrente.


A par da entrada de capitais externos está obviamente a fuga desses mesmos capitais. Normalmente estas fugas são causadas pelas elevadas taxas de inflação e défices orçamentais, crises das dívidas pública e externa, constante volatilidades nas taxas de juros internas e também problemas cambiais, que por sua vez conduzem ao aumento das dificuldades na condução tanto da política monetária como orçamental e, consequentemente a redução do crescimento económico, causando uma crise económica.


Em grande parte, a fuga de capitais escapa a tributação doméstica, o que faz com que esta seja um dos maiores constrangimentos à capacidade desses países em honrar as suas dívidas no futuro, assim como restringe a disponibilidade de fontes internas no financiamento dos investimentos. Ou seja, a fuga de capitais acaba por desequilibrar as contas internas e dificultar o cumprimento das políticas adoptadas anteriormente, uma vez que inicialmente foram contabilizados nos modelos a seguir, pois normalmente a fuga de capital se observa em massa e frequentemente acompanhada de uma diminuição do fluxo de capitais externos, ou mesmo um stop na entrada de capitais, provocando uma redução no investimento externo e acentuar ainda mais a crise económica.


Ora, será que Cabo Verde está a caminhar por estes caminhos ou já está mesmo a sofrer as consequências deste flagelo? Os números falam por si. Ao longo dos últimos anos a dívida pública tem vindo a ter um comportamento crescente, sobretudo nos últimos 5 anos. Ao mesmo tempo o défice tem vindo a agravar-se cada vez mais atingindo valores superiores a 10 por cento do PIB.


Já em relação aos efeitos económicos, tem-se assistido uma crescente nas taxas de inflação e redução do consumo interno, provocado sobretudo pela diminuição do consumo privado, e ainda perda da confiança dos consumidores e investidores em todos os domínios da economia. Isto é, as condições macro e microeconómicas no país não estão a apresentar-se favoráveis a atracão de investimentos externos, como também estão a dificultar o país na aquisição de novos capitais, agravados pelos custos da sua obtenção.


A este nível, e dado que o país se apresenta muito vulnerável ao capital externo, os problemas são evidentes. Com condições macroeconómicas que os números têm vindo a demonstrar, não resta outra coisa a não ser a fuga dos capitais que outrora tiveram como bom porto as dez maravilhosas ilhas. Pois nos últimos anos tem-se assistido a uma flecha de saída dos capitais externos, uma diminuição do investimento externo e ao mesmo tempo uma redução dos fluxos de capitais. Ou seja, o país está a sofrer as duas partes negativas dos efeitos da vulnerabilidade do capital externo. Uma redução da entrada de capital e ao mesmo tempo uma saída em flecha dos capitais que se encontram no país.


Com tudo isto, o défice público e a dívida pública continuam as suas tendências crescentes. Ora, onde é que estão os efeitos? Justamente na complicação das políticas económicas seguidas. O Banco Central está a ser confrontado com problemas no equilíbrio na balança de pagamento, dificultando assim o cumprimento do seu principal objectivo que é a manutenção da taxa de inflação em valores reduzidos. Mas ao mesmo tempo a fuga de capital pressiona a valorização da taxa de câmbio, o que não pode acontecer em Cabo Verde dada a necessidade do cumprimento do acordo com o euro. Ou seja, leva a necessidade de medidas cada vez mais restritas.


Já quanto à política orçamental, para além do impacto negativo no crescimento, a fuga de capital tem também causado mais desigualdade devido às medidas de “austeridade” que tem vindo a ser implementada de forma disfarçada, como está igualmente a limitar a credibilidade do país junto das instâncias internacionais, pois tem-se observado a dificuldade na resolução da acumulação das dívidas, tornando mais difícil a obtenção de novos créditos. Ou seja, as contas públicas tem vindo a piorar e é justamente os pobres que estão a pagar por isso em várias vertentes sociais.


Com esta análise volta-se à pergunta: onde está Cabo Verde nisto tudo? Sim, numa crise!


Gilson Pina

terça-feira, 31 de maio de 2011

Cabo Verde tem uma economia MIRAB?

O termo economia MIRAB foi definido pelos investigadores Bertram e Watters (1985), para classificar o processo de desenvolvimento de cinco Ilhas do Pacífico, nomeadamente, Ilhas Cook, Tokelau, Niue, Kiribati e Tuvalu. O modelo representa uma economia onde os principais recursos são MI- Migração, R - Remessas, A - Ajuda e B - Burocracia. Os autores consideram esta estratégia de desenvolvimento perfeitamente sustentável, desde que seja possível obter remessas e ajudas externas por tempo ilimitado. Mas do outro lado existe outros economistas, Banco Mundial, FMI ou agências/instituições doadoras que têm alguma relutãncia em aceitar este modelo de desenvolvimento como valido e sustentável.

Os economistas e instituições com alguma aversão ao modelo de desenvolvimento MIRAB argumentam esta posição, pelo facto de as remessas serem consideradas um comportamento altamente irracional e instável, uma vez que, são motivadas por razões puramente altruístas e com o passar do tempo é provável que o sentimento enfraqueça e, por conseguinte, as remessas irão diminuir. Ainda, alegam que as remessas e ajudas mantêm a economia doméstica num nível de baixa produtividade, pois reduzem o incentivo ao trabalho e raramente são aplicados em investimentos produtivos, criam a dependência na importação e perpetuam desequilíbrios comercias que não são sustentável no longo prazo. Outra consequência negativa apontada às ajudas e remessas é o efeito na sobrevalorização da moeda nacional, que pode explicar em parte o fraco desempenho na exportação de produtos manufacturados e também pode retardar o crescimento do turismo.

Do outro lado da moeda temos os defensores da sustentabilidade do modelo de desenvolvimento económico MIRAB, que alegam os seguintes:(i) nos pequenos países insulares devido as suas características económicas, a emigração talvez constitua a única forma de melhorar o bem-estar social da população no longo prazo, quando não é possível dedicar a outras opções como turismo, paraíso fiscal, pesca ou base militar; (ii) não é moral nem imoral receber ajuda de países industrializados se nada de imoral for pedido em troca; (iii) as remessas são normalmente motivadas por reembolso de um empréstimo feito anteriormente pelo remetente, dinheiro emprestado a crianças ou outros parentes para ajudar no financiamento da educação e dinheiro enviado para prepara o período da reforma quando regressar a terra natal; (iv) se a população migrante for constituída principalmente por adultos interessados a regressar ao país natal depois de reformados, é pouco provável que as remessas reduzam com o passar do tempo.

Neste sentido, as políticas económicas devem incentivar o regresso dos reformados e maximizar o envio de remessas, assim, o país receptor deve motivar os filhos a não emigrar, diminuindo os custos da educação e aumentando a qualidade da mesma. E também, os recursos devem ser direccionados para os fins mais eficientes, como na produção de futuros emigrantes através do investimento em capital humano ou na produção de serviços geoestratégicos que envolve mais empregos no sector público em bases militares ou no governo.

Muitos pequenos países insulares têm uma economia MIRAB. Para o caso de Cabo Verde, faço uma análise da evolução das principais variáveis do modelo (migração, remessas, ajudas e burocracia) para o período 1990 – 2009.

 

Migração
Cabo Verde pela sua história é claramente um país de migrações. Actualmente existe mais cabo-verdianos fora do país, do que residentes (491.875 pessoas de acordo com o censo de 2010). Cabo Verde é tanto um país de emigrantes como também de imigrantes. Os principais destinos dos emigrantes cabo-verdianos são Portugal, França e EUA. Nestes três países encontramos cerca de 70% dos emigrantes cabo-verdianos. O peso de imigrantes em Cabo Verde (3% da população, censo de 2010) tem vindo a aumentar consideravelmente, nesta última década, onde maior percentagem corresponde aos imigrantes da CEDEAO (61,1% da população estrangeira, censo de 2010).

Remessas
A média das remessas para o período em análise foi de 15,6% do PIB e cobriram cerca de 30% das importações de bens. Na década de 1990 o peso nas importações de bens foi de 34% e na década de 2000 foi de 25%, justificada pela redução nas remessas e aumento nas importações. Esta tendência decrescente no peso das remessas na economia cabo-verdiana é explicada pelo facto de a maioria dos emigrantes serem actualmente da quarta ou quinta geração, o que reduz a ligação social com Cabo Verde e, também, com o aumento do rendimento e de oportunidades em Cabo Verde, tem reduzido pressão para a emigração e a necessidade dos emigrantes complementar os rendimentos dos seus parentes.
Pelo relatório do questionário sobre remessas dos emigrantes, realizado em 2010, na Ilha de Santiago, pela OMCV (Organização da Mulheres de Cabo Verde) e PCN (Pessoas Como Nós), cerca de 76% das remessas são destinadas para despesas de alimentação e apenas 9% para Educação/Formação. Este facto demonstra que as remessas têm sido direccionadas para o aumento do consumo, em vez do aumento de investimentos, que é o desejável para o crescimento económico. E como em Cabo Verde a média de importação de bens estão a volta dos 50% do PIB, isto significa que as remessas pouco têm contribuído para aumento da produção interna.

Ajudas
As ajudas apresentaram de 1990 - 2009 uma média de 9% do PIB, com uma tendência decrescente, mas em termos de valores absolutos verificou-se uma oscilação com ligeiro acréscimo em 2008 e 2009. Em relação a Balança de Pagamentos as doações financiaram cerca de 22% das importações de bens. Na década de 1990 este peso foi de cerca de 30% e na década 2000 de 13%, que é justificada pela redução nas doações e pelo aumento nas importações. Isto demonstra que a ajuda tem desempenhado uma presença crucial na determinação do nível do consumo e rendimento em Cabo Verde.

Burocracia
A burocracia é analisada pelo número de empregados na função pública e pelo peso do governo na economia, verificado através das despesas totais do sector público administrativo (SPA). As despesas médias do SPA durante o período em análise foram de cerca de 40% do PIB, o que prova a forte presença do Estado na economia, no entanto, este presença tem vindo a decrescer e a dar lugar o sector privado. Na década de 1990 as despesas do SPA foi de 44% do PIB, mas na década de 2000 este valor baixou para 34%. As despesas com pessoal totalizaram 26% das despesas totais da SPA durante o período 1990 – 2009, e apresentam uma tendência crescente. Na década de 1990 o peso foi de 23% e na década de 2000 foi de 29% das despesas totais do SPA. Mas, em relação ao PIB a proporção das despesas com pessoal tem mantido quase constante, a volta dos 10%.

Pelo exposto, a economia cabo-verdiana enquadra perfeitamente no conceito de uma economia MIRAB, pois os fluxos económicos fundamentais deste modelo, remessas e ajuda, contribuíram, durante 1990 – 2009, em 25% para o PIB e cobriram 52% das importações de bens. Mas, o peso destas duas variáveis no PIB tem vindo a diminuir e a ser substituído pelas receitas do turismo e por Investimento Directo Estrangeiro. Assim, no próximo artigo proponho analisar impacto da evolução do turismo e IDE no crescimento económico e verificar se Cabo Verde apresenta tendência para uma economia SITE ( Small Island Tourist Economies).


Bibliografia
Bertram, I. G. e Watters R. F. (1985), “The MIRAB Economy in South Pacific Microstates”, Pacific Viewpoint ,26, pg - 497–519.
INE – Cabo Verde, Censo 2010.
OMCV e PCN (2010), Projecto C-312:Remessas e emigrantes como recurso ao desenvolvimento, Relatório do questionário sobre remessas dos emigrantes.
Relatório Anual do BCV de 1990 à 2009.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Evolução da dívida pública cabo-verdiana de 2000 à 2010


Com a recente crise mundial veio a tona a verdadeira situação financeira e económica de muitos países, onde alguns que, aparentemente, demonstravam uma situação financeira saudável, na verdade não o tinham. Apresentam sim, grandes desequilíbrios nas contas externas e alguns tiveram mesmo que recorrer a ajuda externa para evitar a situação da bancarrota, que é o caso da Irlanda, Grécia e Portugal.

Falando da nossa economia, faço a análise da evolução da dívida pública em dois períodos, de 2000 à 2007 e de 2008 à 2010, no sentido de verificar o impacto que actual crise mundial tem tido no saldo da dívida pública.

Em Cabo Verde a dívida do Sector Público Administrativo (SPA) acumulado foi de 97 % do PIB, em 2000 e passou para 77% do PIB, em 2007, correspondendo a um decréscimo de 21%. Este decréscimo ocorreu tanto a nível externo que passou de 56% para 44 % do PIB, como a nível interno, de 41% para 33 % do PIB. A dívida externa tem tido um peso próximo dos 60 % do total das dívidas, facto este que pode ser justificado pela baixa poupança interna.

A nível das receitas do SPA, esta passou de 20% do PIB, em 2000, para 25%, em 2007, justificado principalmente pelo aumento das receitas ficais, com o melhoramento no sistema de cobranças de impostos e aumento do número das empresas. Em relação às despesas houve um decréscimo, passando de 36% para 31 %, devido, principalmente, a redução nos subsídios e transferências. Em relação aos investimentos públicos apesar de não apresentarem grande aumento no peso do PIB, em 2000 foi 11 % e em 2007 de 11,6 % do PIB, houve um acréscimo de 135%, durante o período considerado. 

Estes números demonstram que apesar de não ter havido alterações consideráveis nas receitas e despesas públicas, o Governo está a trilhar no caminho certo, aumentado o investimento e reduzindo nos gastos com pessoal e subsídios. No entanto, o governo deve incentivar a poupança interna, que é baixa, atendendo ao nível de investimento que tem sido realizado no país, no intuito de reduzir a dívida externa, pois este representa saída de divisas e direccionar os investimentos para bens transaccionáveis.

Os valores da dívida pública verificados em 2007 estavam próximos do acordo assinado com o FMI em 2006, o PSI, no qual previa para o ano 2009 total da dívida pública em 70% do PIB e dívida pública interna em 20% do PIB. 

Durante este período o PIB passou de 64.217 milhões de ECV, em 2000, para 115.237 milhões, em 2007, o que corresponde a um aumento de 79%, valor próximo da média verificada no grupo de pequenos países ilhas em desenvolvimento, do qual Cabo Verde faz parte, que foi de 76%. Esta evolução da economia cabo-verdiana, justificada em especial pelo recurso ao capital externo, pode ser considerada muito positiva, atendendo a inexistência de recursos naturais e a grande vulnerabilidade da nossa economia. Mas, devemos continuar a estabelecer metas ambiciosas e procurar ultrapassa-las, pois a verdadeira situação de muita família cabo-verdiana contínua precária.

Para 2008 – 2010, período da crise mundial, a dívida pública teve acréscimo de 15,9%, passando de 69% do PIB, em 2008, para 80%, em 2010, valor bastante considerável, e houve uma deterioração tanto nas receitas como nas despesas públicas. 

Este acréscimo na dívida pública é justificada, principalmente, pela desaceleração da economia dos principais parceiros cabo-verdianos que conduziram a redução das receitas do turismo e do investimento directo estrangeiro, dois importantes fontes de entrada de capitais no país e pelo facto do Governo ter recorrido a empréstimos concessionais, para aproveitar a reduzida taxas de juro, pois Cabo Verde deixará de beneficiar destas taxas devido a sua passagem ao estatuto de Países de Desenvolvimento Médio.

Com esta sucinta análise verificamos que a dívida pública cabo-verdiana foi agravada pela actual crise mundial e pelo facto de que Cabo Verde deixará de beneficiar de empréstimos concessionais no curto prazo. Devido as características da nossa pequena economia, Cabo Verde vai continuar a depender fortemente da evolução da economia mundial e de uma gestão pública rigorosa e séria para melhorar a sua situação da dívida pública.


João António F. Brito